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Marca liderada por mulheres do Sul da Bahia se destaca na produção de chocolates veganos

chocolate natural Natucoa

a monai conversou com Carine Assunção e Camila Rocha, representantes da Natucoa, e dialogou sobre os desafios e conquistas na trajetória da empresa de chocolate, gerida cooperativamente, bem como sobre os diferenciais do cacau que destacam os seus produtos no mercado

fundada em 2021 por Carine Assunção, a Natucoa enaltece a produção de cacau fino e valoriza a agricultura familiar no Sul da Bahia. a marca é uma iniciativa da  Cooperativa de Serviços Sustentáveis ​​da Bahia (Coopessba), sediada em Ilhéus, que engloba mais de 80 cooperados, produtores de amêndoas de cacau de qualidade, selecionadas cuidadosamente para a fabricação de um chocolate saudável, sem glúten e vegano.

carine nos conta que o início do projeto foi tímido, mas potente pelo seu propósito. ainda sem a presença da fábrica física e com o desejo de criar uma marca exclusivamente baiana, a ideia partiu dela, que, a princípio, ingressou na Coopessba como administradora, em 2012. atualmente ela é a presidente da cooperativa e destaca que, na época, após se aperfeiçoar em tecnologia de alimentos com ênfase em chocolates, compartilhou  com cooperados  vontade de produzir chocolate, motivando a todos  a integrarem o projeto promissor. 

a marca foi fundada em 2017. no entanto, foi apenas um ano depois que os primeiros produtos foram lançados. naquele momento, a produção acontecia em pequena escala no Centro de Inovação do Cacau (CIC). o laboratório, dedicado a fazer análises de amêndoas de cacau e prestar serviços a produtores de variados contextos, está localizado na Universidade Estadual de Santa Cruz (UESC) e foi crucial para  que a Natucoa  decidisse produzir os chocolates veganos. “foi no CIC que decidimos que o nosso chocolate seria vegano. aliás, por que adicionar leite e não ressaltar a produção desse chocolate tão rico, que tem indicação de procedência no Sul da Bahia? queríamos deixar bem claro que a Bahia não é só produtora de cacau, mas que produz um chocolate ótimo!”, afirma a empreendedora.

Carine segurando chocolate da Natucoa

ao fazer uma pós-graduação em tecnologia de alimentos com ênfase em chocolates, Carine se apaixonou pelo processo de produção do chocolate. foto: Site Natucoa

Sustentabilidade

em relação à produção, a Natucoa segue o modelo bean-to-bar, que traduzido do inglês, significa “do grão à barra”. neste formato, a empresa gerencia a etapa de compra das amêndoas até a confecção das barras de chocolate.  segundo Camila Rocha, assistente administrativa da Natucoa, o plantio do cacau acontece dentro da Mata Atlântica, e é feito pelos produtores da agricultura familiar da Coopessba em um sistema agroflorestal. “diferente do sistema tradicional de produção, onde acontece desmatamento, esse sistema que chamamos de cabruca mantém a floresta em pé e conserva o solo”, explica. 

o cacau da cooperativa, portanto, gera renda enquanto preserva a Mata Atlântica. o manejo é feito de forma praticamente manual, uma vez que o terreno não é plano e não permite a entrada de maquinário de grande porte, característico das plantações tradicionais. a marca foi amplamente reconhecida pelas suas práticas sustentáveis  e, nesse sentido, possui  o Selo de Identificação de Produtos da Agricultura Familiar (SIPAF/BA) – o que garante destaque da iniciativa no mercado, acompanhando a crescente tendência das pessoas questionarem as origens dos produtos consumidos diariamente. 

cacau, fruto que dá origem ao chocoalte.

a Cabruca  é um  sistema de cultivo agroecológico no sul da Bahia há mais de 300 anos. nele, o cacaueiro é plantado no miolo da Mata Atlântica e, com isso, se beneficia da sombra de outras árvores. foto: site Giorigin.

Sabor acentuado

para além da consciência ambiental e de cuidado com a saúde, os chocolates da Natucoa são diferentes no sabor que carregam. na composição das barras há apenas cacau – em maior quantidade – e outros  3 ingredientes: açúcar demerara, manteiga de cacau e lecitina de soja. 
diferente de um chocolate ‘comum’, Camila explica que o Natucoa é nutritivo, uma vez que não possui aditivos e aromatizantes. portanto, realmente, ‘Originais por Natureza’, como anuncia  o slogan. “se você for em algum mercado e olhar o rótulo dos chocolates, irá perceber vários ingredientes químicos e de origem desconhecida. além da pureza na composição do chocolate, os produtos da Natucoa carregam também sabores da Mata Atlântica, valorizando os produtos do bioma. um chocolate artesanal, feito do grão à barra como o nosso, tem inclusão do cupuaçu, banana, abacaxi, o licuri e outras frutas desidratadas. um valor agregado maior justamente pelo critério de produção”, enfatiza.

Desafios

um dos desafios mais persistentes do projeto é o de  produzir um cacau de qualidade. a presidente da Coopessba afirma essa tarefa possui várias etapas e exige paciência do pequeno produtor, isso porque o cacau demora em torno de 20 a 30 dias para obter a certificação de procedência de origem.

quando comparada à secagem tradicional, a do cacau fino é mais lenta. a  fermentação é processual e é preciso realizar análises das amêndoas a todo instante no Centro de Inovação do Cacau (CIC). “na hora da colheita, é preciso separar frutos bons dos ruins. aquele cacau com podridão parda, vassoura-de-bruxa, muito verde ou muito maduro não pode ser utilizado para um chocolate de qualidade. além disso, para o processo de fermentação é preciso atenção. são 5 a 7 dias revirando esse cacau em uma caixa de madeira para sair de semente para amêndoa, um momento importante que evidencia os sabores da fruta que resulta nesse cacau fino”, enfatiza. a cooperativa já alcançou a produção de cerca de 23 toneladas desse produto anualmente.

chocolate com licuri

chocolate com inclusão de licuri, fruto que vem de uma palmeira nativa do bioma Caatinga e de toda a costa leste brasileira. foto: site Natucoa.

Cacau no Sul da Bahia

quando aprofundamos neste tema, historicamente, o cacau sempre teve muita importância no sul da Bahia. o fruto chegou à Bahia em 1746, quando um colonizador francês que vivia no Pará, Luiz Frederico Warneau, enviou algumas sementes da variedade “Forastero” (do grupo Amelonado) ao fazendeiro baiano Antonio Dias Ribeiro, que as semeou no município de Canavieiras. assim, em 1752, foram plantadas as primeiras sementes em Ilhéus e as plantas se adaptaram bem à região. ao longo do século 19, as fazendas de cacau foram se disseminando na região e as exportações aumentava em grande escala pelo aumento do consumo de chocolate na Europa e nos Estados Unidos. 

no entanto, na década de 90 e até os anos 2000, a região foi afetada drasticamente pela chamada vassoura-de-bruxa, uma doença causada pelo fungo Moniliophthora perniciosa que afeta folhas e galhos secos, deixando as plantas semelhantes a uma vassoura velha, daí o nome popular da praga. 

atualmente, segundo dados da Organização Internacional do Cacau (ICCO), o Brasil ocupa o sexto lugar como produtor do fruto no mundo. contudo, naquela época chegou a ser o segundo, atrás apenas da Costa do Marfim. de lá para cá, felizmente muita coisa mudou. com o movimento de cooperativas e o auxílio técnico de profissionais no campo, como o realizado pela Coopessba, há o fortalecimento dos pequenos agricultores e agricultoras a enfrentarem esses e outros desafios.

Liderança feminina

os caminhos para Carine foram igualmente desafiadores. como uma mulher preta, ela fala sobre as dificuldades enfrentadas no meio empreendedor. “embora eu esteja na frente, nada foi feito sozinho para chegar onde estamos. há pessoas na fábrica, na loja e no campo, uma rede fortalecida. mas infelizmente, eu já ouvi falas direcionadas a mim que tenho um ‘pensamento de homem’ como se eu não tivesse capacidade de liderar por justamente ser mulher”, desabafa.

conforme revelam dados divulgados pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) em março deste ano, Carine é uma das raras lideranças femininas em seu segmento. dentre as pessoas que assumem cargos de direção no setor de agricultura, pecuária, engenharia florestal, aquicultura e pesca, apenas 15,8% são mulheres.

Valores e persistência

a  Natucoa segue firme com o propósito de produzir com qualidade, que respeite a natureza e remunere  justamente o trabalho do pequeno produtor. o resultado da defesa desses valores chegou em  2021, quando a marca registrou um salto notável: fábrica própria, quadro de funcionários robusto e marca bem posicionada no mercado.

com apoio do Governo do Estado por meio do projeto Bahia Produtiva, já foram aplicadas ações como assistência técnica continuada para os agricultores e agricultoras vinculados à Coopessba, aquisição de kits de beneficiamento de cacau e de manejo agroecológico, construção de galpão, aquisição de máquinas e equipamentos. hoje, a Natucoa possui reconhecimento do público em seu estado e também em todo Brasil. a marca agora se prepara para mais um avanço: o lançamento na Europa.

portanto, ao consumirmos esse chocolate com essência da Bahia, reafirmamos  o nosso compromisso ecológico, fortalecemos a produção sustentável da  agricultura familiar e também valorizamos a força do empreendedorismo feminino e os  impactos positivos de projetos como a Natucoa para a autonomia das comunidades. 

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