sustentabilidade e impacto social

o chocolate vem do cacau, mas de onde vem o cacau?

Páscoa, data cristã que também se transformou em motivo de encontros familiares com muito doce, mais especificamente, os ovos de chocolate. Contudo, enquanto alguns se deliciam, outros vivem a amarga realidade de condições insalubres nas fazendas produtoras de cacau repletas de trabalhos infantis e escravizados. 

para chegar ao nosso lar embalado como presente, o chocolate passa por vários processos: o cultivo do cacau, a torra, a preparação da massa, a temperagem com a receita específica, a embalagem e, por fim, o transporte até chegar nas prateleiras dos mercados. 

em um mundo globalizado, surge o termo “cadeia global de valor”, em que empresas, principalmente multinacionais, terceirizam a produção das matérias-primas de seus produtos, mantendo apenas etapas que agregam valor e tecnologia em seus negócios. 

assim, o chocolate de páscoa vendido em qualquer mercado do Brasil pode contar com receitas suíças ou belgas, mas, provavelmente, as embalagens são feitas na Ásia e o mais notável: o cacau cultivado na África, sobretudo na Costa do Marfim e em Gana.

cacau e a desigualdade

segundo o Jornal The Guardian, a Costa do Marfim produz mais de 40% do cacau comercializado mundialmente, seguido por Gana. o valor que o cacau é vendido nos países da África, abaixo das médias globais, se torna atrativo para grandes corporações. ainda de acordo com o jornal, a explicação deste baixo valor está atrelada ao trabalho escravizado infantil. 

a World Cocoa Foundation (WCF), organização global que atua para melhores condições de produção do cacau globalmente, reconheceu a questão do trabalho infantil, citando estimativas de que apenas na Costa do Marfim e em Gana há 1,6 milhão de crianças trabalhando no cultivo de cacau. isso é agravado quando os países em questão têm entre 5 e 6 milhões de pessoas em situação de pobreza extrema. vulnerabilidade esta que facilita o recrutamento de crianças com promessas de melhores condições de vida, mas que acabam sendo submetidas a condições de trabalho análogo a escravidão. simultaneamente, crianças dos países fronteiriços que também sofrem com a pobreza extrema são vítimas do tráfico internacional para o trabalho nas plantações costa-marfinense ou ganense. 

No destino, muitos jovens não recebem o pagamento, sempre com algum pretexto, o contato com a família é restrito e o retorno é impedido. No trabalho, são expostos a atividades perigosas, com manuseio de produtos químicos sem proteção, contato com doenças transmitidas por insetos da floresta e constantes agressões físicas.

além das pessoas, a natureza também está em risco. estima-se que grande parte do desmatamento nesses países tem origem nas plantações de cacau  — dados do Banco Mundial indicam que, nos últimos 50 anos, houve a perda de 80% da cobertura florestal da Costa do Marfim. 

O problema, porém, não deve ser simplificado em culpabilizar apenas a Costa do Marfim ou Gana por esta realidade, uma vez que isso mascara um sistema que busca minimizar custos para aumentar os lucros, ultrapassando limites sociais e ambientais. Qual seria, então, a solução? Como todo problema complexo, a solução não é única, mas passa por um série de ações que vão desde a produção até o consumo.

MOBILIZAÇÕES GLOBAIS POR DIREITOS HUMANOS E PROTEÇÃO DO MEIO AMBIENTe

no âmbito internacional, a Folha de São Paulo expõe que grandes marcas, tais como Nestlé, Mars, Hershey, Mondelez, Olam, Cargill e Barry Callebaut, são réus em um processo movido em Washington DC pela organização de direitos humanos International Rights Advocates (IRA) na tentativa de mudar esta dinâmica produtiva. organizações de defesa do meio ambiente como o Greenpeace também já fizeram investidas contra essas grandes marcas. em 2010 a frase: “peça à Nestlé para dar um tempo às florestas” foi veiculada pela mídia com uma forte mensagem sobre a atuação da multinacional.

GOVERNANÇA NAS CADEIAS PRODUTIVAS

organizações internacionais como a Inkota (organização alemã que busca minimizar desigualdades, fome e pobreza no mundo globalizado) e a Fairtrade Foundation (instituição originada no Reino Unido que visa colaborar com o fim da injustiça do comércio internacional, auxiliando produtores de países em desenvolvimento), afirmam que a resolução da questão será possível apenas com uma maior transparência em relação à cadeia de valor e a valorização do preço pago para os produtores de cacau, já que, atualmente, os preços destes são muito baixos para uma produção ambiental e socialmente sustentável.

a alternativa de aumentar o valor pago por esse produto, refletindo no salário digno aos trabalhadores, seria um importante primeiro passo. para as empresas, a Inkota estima um aumento médio de R$1,00 por 100 g de chocolate. para um ovo de páscoa de 150g isso equivale a R$1,50. o cenário atual, contudo, não é animador. apesar de denúncias feitas há décadas, não há mobilizações significativas dos compradores de cacau para adoção dessas práticas em larga escala.

No último século, diversos programas de certificação surgiram com o intuito de garantir critérios mínimos de gestão social e ambiental nas cadeias produtivas. É o caso dos selos de produtos orgânicos, e a certificação “fair trade”, que em livre tradução significa comércio justo. A certificação define critérios mínimos sobre condições de trabalho decentes, sustentabilidade local e termos de comércio justos para os trabalhadores. Com o pagamento de preços acima do mercado, há abertura para a defesa de produtores vulneráveis no comércio convencional. O papel das certificações se torna, portanto, um incentivo para as empresas adotarem um modelo transparente e sustentável ao passo que valorizam sua imagem aos olhos do consumidor.

O PODER DO CONSUMIDOR 

cacau psecando para produção de chocolate e roupa de pequenos produtores

Apesar do nosso poder individual ser extremamente limitado perante o cenário global, a mudança desse cenário também passa por nós. A compra de produtos de origem sustentável feitos através de trabalho justo e digno e, que principalmente, valorizem o pequeno e médio produtor rural é uma maneira de incentivar este mercado.

uma das formas de minimizar essa problemática é o encurtamento da cadeia de produção ao comprar de empresas locais. quando valorizamos os pequenos produtores, aqui no Brasil, contribuímos para uma melhor distribuição de renda e a proteção da nossa biodiversidade. no caso específico do cacau, que é um fruto amazônico, isso faz ainda mais sentido.

Seguindo nesta linha, um conceito que vem ganhando notoriedade é o da produção “tree to bar”. Neste modelo, o cultivo do cacau e a fabricação do chocolate são todas realizadas pela mesma empresa, garantindo boas condições aos trabalhadores, melhor controle de qualidade em todos os processos produtivos e excelência no produto final.

Fica claro, portanto, que não existe uma solução simples, e sim, uma série de esforços que permeiam todas as esferas da sociedade para que a Páscoa possa ser uma data doce para todos, sem exceção.

créditos de imagens: warabu chocolates e dois richões

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