histórias que nos inspiram

Coopercuc: uma história de transformação social a partir da produção de umbu no semiárido nordestino 

mulheres-coopercuc

a monai conversou com Jussara Rocha da Coopercuc, cooperativa que beneficia o umbu, fruto nativo da Caatinga que tem transformado a realidade de pequenos produtores no semiárido nordestino 

é no norte da Bahia, região que inclui parte da zona de transição entre o sertão e a zona da mata com atividades que vão desde a agricultura (cultivo de grãos, frutas e pecuária) até o turismo, que está localizada a Cooperativa Agropecuária Familiar de Canudos, Uauá e Curaçá (Coopercuc). Com base no ecoextrativismo do umbu e na união comunitária, essa cooperativa tem em sua essência o compromisso ambiental e a geração de renda local. no dia a dia da Coopercuc, o destaque é o umbuzeiro. nativa da Caatinga, um bioma caracterizado por longos períodos de estiagem, essa árvore armazena até 2 mil litros de água em seus tecidos, fornecendo um fruto de coloração verde e acidez acentuada, que dá origem a doces, compotas, geleias e polpas que já conquistou paladares do Brasil e até no exterior.

histórico da cooperativa

a fundação da Coopercuc aconteceu em meados dos anos 80, quando houve intensa articulação social na região, que era atravessada por problemas como escassez de água, insegurança alimentar e mortalidade infantil. segundo Jussara Rocha, sócia fundadora da cooperativa, um ponto central para a existência da colaboração foi o empenho de mulheres em missões religiosas vindas do Canadá para a Bahia que, com a comunidade, buscaram melhorias para a região. “nessa época, não tínhamos nenhuma tecnologia de captação da água da chuva para consumo humano, produção de alimentos ou até criação de animais. com algumas melhorias promovidas por esse grupo, a comunidade foi também se mobilizando com esse espírito cooperativista”, explica. 

com o passar dos anos, tendo o apoio do Instituto Regional da Pequena Propriedade Apropriada (IRPAA), algumas técnicas de cultivo do umbu foram repassadas às mulheres das comunidades de Canudos, Uauá e Curaçá, incentivado-as a preparar os primeiros produtos derivados da fruta. a produção acontecia na cozinha de suas próprias casas que, a princípio, era apenas para subsistência, mas, aos poucos, o produto encantou vizinhos das redondezas, familiares distantes dessas produtoras e assim foi se espalhando. “foi com a insistência dessa demanda, porque muitos queriam comprar os produtos feitos de umbu, que essas mulheres começaram a discutir formas de venda e produção eficientes”, conta Jussara.

reconhecimento

com a produção avançando, a ideia foi vender nas feiras livres da agricultura familiar. a estratégia foi um sucesso, pois os produtos derivados do umbuzeiro tiveram muita receptividade e reconhecimento público, sendo a cooperativa convidada a participar da Feira da Agricultura Familiar Nacional em Brasília em 2004, onde conheceram o movimento slow food. no entanto, ainda era necessário formalizar a atividade e padronizar a produção, assegurando que todas as boas práticas de fabricação fossem aplicadas, a fim de garantir a qualidade na venda e no consumo.

a fundação oficial da Coopercuc aconteceu no mesmo ano, em meio a dificuldades e incertezas, mas com o sonho contínuo dessas comunidades em valorizar o umbu. “Começamos a construir o espaço por meio de mutirão mesmo. cada mulher ajudava com o que tinha, com sua força, seu capital”, Jussara relembra nostálgica.  na época, o valor pago pela saca da fruta era muito baixo. no entanto, ao beneficiar e agregar valor ao produto, esse preço aumentou, permitindo um repasse maior para o produtor.

essa estratégia começa a tomar forma quando ainda em 2004, a cooperativa conquista o Prêmio Slow Food, um financiamento de 13.000 euros investidos para a construção de 13 pequenas unidades de beneficiamento, situadas em 13 comunidades rurais dos três municípios. a princípio, 44 pessoas, sendo 24 mulheres e 20 homens, estavam à frente da produção. atualmente, são mais de 200 cooperados, que atuam no plantio, colheita e beneficiamento do umbu de forma ambientalmente correta e socialmente justa.

plantio de mudas de umbu na coopercuc

segundo Jussara, foi pela força e dedicação feminina que a cooperativa conquistou reconhecimento. foto: Priscilla Souza – Ascom Coopercuc

Etapas de produção

para o resultado desses produtos deliciosos, que refletem o propósito do semiárido nordestino e a sustentabilidade, a cooperativa conta com diversas etapas. o plantio começa no período das chuvas e, de preferência, em solos com boa drenagem e sem encharcamento. Jussara conta que a colheita é cuidadosa e fala sobre a dedicação de cada produtor. “os frutos são colhidos de forma manual, sem bater nas árvores para que o umbu não tenha corte ou que seja danificado ao ser colocado no contentor. além disso, todos os produtos são certificados como orgânicos”, conta. 

para um umbuzeiro dar frutos é preciso esperar anos. Aqueles plantados com sementes frutificam após 12 anos, enquanto os umbuzeiros de plantas enxertadas começam a produzir depois de 5. Cada árvore tem capacidade de produzir de 65 a 300 quilos de umbu por ano. 

Feita a colheita, os produtores levam os frutos até à cooperativa, onde é realizada a pesagem e pagamento. em seguida, o umbu chega ao processamento, separação, seleção das frutas e higienização, onde é definido se a matéria prima será polpa, geleia, compota ou doce. após isso, os produtos seguem para a quarentena, ficando em torno de 15 dias estocados para verificar se haverá alguma alteração nas propriedades físico-químicas. passada essa etapa, é o momento da rotulagem e encaixamento e aí os produtos estão finalmente prontos para irem para a mesa do consumidor. 

beneficiamento do umbu na coopercuc

umbus sendo processados na fábrica da Coopercuc. Foto:  Priscilla Souza – Ascom Coopercuc

Incentivo ao replantio

a Coopercuc incentiva os seus produtores a replantar o umbuzeiro, planta primordial para manutenção da biodiversidade, que vem sofrendo com o avanço da pecuária e o desmatamento. segundo análises de biólogos das Universidades Federais da Paraíba (UFPB) e de Pernambuco (UFPE) publicadas em outubro de 2023 na revista Scientific Reports, as áreas agrícolas e pastagens abandonadas ou em uso cobrem 89% da Caatinga, único exclusivamente brasileiro, que se espalha por 10 estados do Nordeste e Sudeste. esse bioma vem sendo transformado drasticamente há anos pela ação humana, o que traz a reflexão sobre métodos de produção mais sustentáveis e a valorização de produtos baseados na economia solidária e sustentáveis como os da Coopercuc.

Transformação Social na cooperativa

com 20 anos de existência, a Cooperuc não só é defensora do meio ambiente, garantindo sua preservação, mas também tem sua base sólida na transformação social. do início do projeto até hoje, foi notável para Jussara como as vidas de várias famílias foram impactadas positivamente. isso refletiu no estímulo aos sonhos das novas gerações. “a existência dessa cooperativa, com certeza, mudou a realidade de muitos que viviam na roça, inclusive a minha. conforme os produtores são ajudados, eles também mudam a realidade de seus filhos. hoje, os nossos jovens podem sonhar e trabalhar. temos engenheiros agrônomos, médicos veterinários e engenheiros de alimentos, tudo isso por conta dessa iniciativa”, comemora.

atualmente, a cooperativa tem nas suas unidades de beneficiamento uma constante produção de produtos derivados do umbu, mas também do maracujá da Caatinga e outras frutas da biodiversidade brasileira. 

base de uma união cooperativista histórica, com presença até no mercado internacional, alcançando países como Alemanha, Reino Unido, França, Áustria e Itália, a Coopercuc segue produzindo com propósito, fortalecendo comunidades tradicionais e levando ao mercado nacional produtos orgânicos e, portanto, saudáveis!

Deixe um comentário