em conversa com a monai, o presidente da Coopemapi, Luciano Fernandes, compartilha os desafios e as ações da cooperativa para manter a valorização de um mel símbolo de preservação na região.
preservação da natureza e sustentabilidade familiar local são o foco da Cooperativa dos Apicultores e Agricultores Familiares do Norte de Minas (Coopemapi), situada em Bocaiuva (MG). no início, quando ainda era uma associação, a ideia de formar uma cooperativa surgiu entre pequenos apicultores como uma forma de valorizar o mel de aroeira, um tipo de mel característico dessa região de mata seca. as abelhas produzem esse mel a partir dos recursos extraídos da planta Myracrodruon urundeuva, popularmente conhecida como ‘aroeira’. na época, o preço deste produto estava muito abaixo do valor de mercado, e havia o desafio de escoar a produção de maneira mais eficiente e adequada.
anteriormente, em 2015, a produção de mel silvestre e de eucalipto acontecia na Associação dos Apicultores de Bocaiuva (Apiboc), que contava com 60 associados. embora houvesse uma produção robusta – em torno de 600 toneladas de mel produzidas por ano -, a Apiboc não podia operar no mercado, uma vez que, por lei, associações não têm fins lucrativos.
Luciano Fernandes, presidente da Coopemapi, conta que o processo de venda era muito incerto, justamente por não ter um respaldo legal. “nós produzíamos o mel e mandávamos para um entreposto que ficava muito longe da cidade. lá era analisado a cor e qualidade do produto, para definir o pagamento adequado. Aos poucos, compreendemos que uma cooperativa seria o ideal nesse processo”, explica.
além desse fator, Luciano diz que o mel oriundo da aroeira-do-sertão, uma árvore abundante na região norte de Minas, foi peça fundamental para que a Coopemapi saísse do papel. “quando conseguimos o selo de indicação geográfica, que garante que seu processamento e envase só ocorram na região, precisamos rapidamente de um entreposto local para manter a rastreabilidade e fortalecer a área. além disso, era essencial contar com uma entidade que protegesse todo esse trabalho”, complementa.
fundada em 2016, a Coopemapi, produtora do Mel das Gerais, teve importância para agregar valor ao mel de aroeira, garantir a geração de renda local e incentivar um movimento de preservação constante da vegetação nativa.
Desafios
no início, o mel de aroeira não era amplamente conhecido. enquanto a venda do produto era feita a R$ 7/kg, hoje em dia com o trabalho da cooperativa, apicultores vendem a R$ 20/kg, chegando até a R$ 35/kg o mel. “fizemos esse trabalho delimitando essa área rica para garantir a qualidade e rastreabilidade do mel de aroeira. além disso, para proteger esse bem do Norte de Minas que garante renda à comunidade, mantendo o trabalhador no campo de forma justa e a preservação da vegetação”, comemora Luciano.
a estrela principal da cooperativa é o mel produzido pelas abelhas através do néctar da flor de aroeira. foto: Comunicação – Coopemapi.
Consciência Ecológica e Desenvolvimento Sustentável
a região do Norte de Minas Gerais é conhecida por um passado trágico de desmatamento intensivo das florestas e ataque à biodiversidade. a localidade durante muito tempo esteve voltada para o plantio e monoculturas como algodão, cana-de-açúcar e soja e, principalmente pela busca por minério de ferro, calcário, diamante e gemas de ouro, desde o início da colonização do Brasil. ademais, por ter um clima semiárido, a região teve sempre que lidar com a escassez de água.
um grande diferencial na cooperativa é o trabalho de preservação e cuidado com a natureza. a ideia é mudar, ao longo do tempo, essa realidade. para Luciano, a produção melífera e a conservação ambiental andam lado a lado, já que sem vegetação não há presença de abelhas. “é interessante pensar que essa relação de fabricação de mel e preservação serve como parâmetro. quando você percebe que a produção de mel está baixa, é bem provável que não esteja tendo pólen suficiente para as abelhas polinizarem e coletarem néctar. ou seja, naquela região não está tendo a proteção da mata nativa”, conta.
é devido ao compromisso forte com a consciência ecológica, manutenção e reflorestamento das florestas nativas, que a cooperativa vem realizando plantio de mudas. dentre as espécies das mudas plantadas estão a copaíba, jenipapo, jatobá, aroeira, pau Brasil, tucaneiro e também frutíferas, como mamão, pitomba, cajá, manga, entre outras. anualmente, são plantadas 25 mil árvores nativas por ano pelo viveiro de mudas da cooperativa.
outra atividade da Coopemapi é o restabelecimento de nascentes da região a partir da recuperação da mata ciliar. Uma das ações destacadas pelo presidente da Cooperativa foi plantio de 500 mudas no entorno do Ribeirão da Onça, rio importante por fornecer água para cidade de Bocaiuva e que, infelizmente, está gravemente degradado, devido ao assoreamento e lançamento de esgotos dos municípios de Contagem e Belo Horizonte. dados de 2005 revelaram que as águas da bacia hidrográfica do rio das Velhas tinham péssima qualidade, conforme a classificação do Conselho Nacional do Meio Ambiente.
Bem-viver
para além da consciência ambiental, a cooperativa do Mel das Gerais tem atuação singular em proporcionar melhor qualidade de vida da comunidade, principalmente valorizando trabalhos desenvolvidos pelos cooperados. esse é o caso do projeto ‘Ateliê da Mulher’. a iniciativa reúne mulheres que produzem Equipamentos de Proteção Individual (EPI) de apicultura, comercializadas pela Coopemapi, priorizando a relação ‘custo-benefício’ nas vendas. Luciano conta que antes do Ateliê, era preciso percorrer uma distância de 1300km em busca do vestuário adequado.
produção de matéria prima
a produção do mel utilizado para o beneficiamento na Coopemapi acontece durante 8 meses do ano, quando não coincide com época das chuvas, pois a precipitação “lava” o néctar que a abelha coleta.
para ter um mel de qualidade e orgânico, Luciano comenta que tudo começa no manejo. primeiro, o apicultor coloca a colmeia no campo, em um raio de 3,5 km que não tenha fontes contaminantes, a fim de garantir que a produção melífera seja orgânica. as abelhas são protagonistas e, com esmero, recolhem o néctar das flores, processando o mel nas enzimas digestivas.
por último, o líquido viscoso e doce é armazenado em favos. ali, o mel permanece para ser desidratado, o que acontece por meio da agitação das asas das abelhas. esse processo natural ajuda na conservação do alimento. a espécie de abelha com a qual os apicultores da Coopemapi trabalham é a Apis mellifera, também chamada de abelha híbrida, derivada de uma mistura da abelha-africana e europeia. alguns, no entanto, trabalham com as abelhas nativas, sem ferrão.
colmeias instaladas em meio à vegetação nativa com distância de 2 metros entre si. foto: Comunicação – Coopemapi.
a função do apicultor no manejo é crucial para a obtenção de um produto de qualidade, já que as abelhas são insetos dinâmicos. “o trabalho do apicultor é muito detalhista e importante. ao longo da produção é preciso limpar o apiário, trocar as melgueiras, transferí-lo quando necessário, saber o momento exato da colheita para que as abelhas não misturem os meles. e sempre realizar anotações e estar atento às floradas para que as abelhas tenham alimento”, ressalta.
o tempo necessário para que a colmeia alcance o seu ponto de produção e o mel esteja pronto para colheita, seguindo os critérios da natureza, é de aproximadamente 15 dias. no entanto, esse tempo pode ser diferente com as várias floradas. atualmente, o leque de tipos de meles da Coopemapi é variado, tendo comercialização do mel silvestre, flor de café, de pequi, betônia, cipo uva, velame, eucalipto, abacate, copaíba e da famosa aroeira.
com o sucesso da Mel das Gerais no mercado, chegando a exportar até para Bélgica, EUA, Dubai e Kuwait, a Coopemapi se orgulha, principalmente, em fazer a diferença localmente. ao conscientizar milhares de produtores, que antes praticavam o desmatamento para exploração das terras na região, hoje a cooperativa colhe o resultado de mais de 300 toneladas produzidas (e, contando!) de mel extraído, de forma respeitosa e sustentável, da natureza.